Os eleitos pelo povo atravessaram o sul da Carvalho Araújo, desfeita em praça do município, em passada solene e cadenciada. Rui Santos ia seguro, olhos fitos nos
Paços do Concelho, ladeado por Adriano, José Maria, Eugénia Almeida e Carlos Silva. Com um sorriso silencioso, mas de satisfação, subiram cerimoniosamente o escadório geminado. No patamar superior, esperava-os o chefe do protocolo que os conduziu, por passadeira
rósea, ao gabinete do Presidente, logo ali, ao abrir da porta. Rapidamente o sorriso que traziam se metamorfoseou em espanto. A mesa estava vazia, as paredes nuas, o mobiliário restante deserto. Nada havia ali. Tocados pela surpresa, os cinco entreolharam-se, mudos.
- Mas que se passa aqui? – perguntou o novo presidente ao chefe do protocolo. – Onde está o computador? E os dossiês? E os quadros… as decorações… o que foi feito disso tudo?
O chefe do protocolo ficou quedo, com a boca mais seca que camelo no deserto. Embasbacado só conseguiu encolher os ombros, como a dizer tão simplesmente: “não sei, não sei…”
De imediato os socialistas saíram em direcção aos outros gabinetes e encontraram todos vazios menos um. A boa disposição desapareceu. Rui Santos sentiu uma raiva surda a tomar conta dele. Tentou dominar os impulsos daninhos. A sua condição de novo presidente da Câmara assim o aconselhou. Calou o grito que lhe ia na alma. Saiu do gabinete e foi ao varandim.
Apetecia-lhe dali gritar bem alto: Aqui d’el–rei, acorram que fomos assaltados. Não o fez.
Inspirou o ar já fresco do Outono. Voltou para dentro. Sentou-se. Ao menos havia uma cadeira.
Queria perceber o que se estava a passar. Sem dossíês não há informação de nada. Sem informação não há conhecimento. Assim, é o momento zero. Ninguém vem explicar o que está em curso, nada, nadinha de nada.
- Isto é uma patifaria intolerável - disse um dos vereadores.
- Inimaginável - acolitou outro.
- Está visto que o presidente [cessante] não vai aparecer… Conhecer como o conheço - disse Rui Santos.
- Não – respondeu o chefe do protocolo.
- Pois. Era previsível.
- E ele nem sequer perdeu. Não foi ele o candidato do PSD. – observou a nova vereadora.
O chefe do protocolo recuperou a memória e já mais à vontade, esclareceu:
- O sr. presidente, isto é o sr. ex-presidente, disse que não tinha que vir “porque o senhor director administrativo e financeiro sabe tudo e por isso tem condições para dar todas as explicações necessárias ao novo presidente – a V. Exª - , porque também foi vereador e também está dentro dos problemas da Câmara.” E também disse que “se mandou limpar os computadores como se deve fazer, porque não se ia entregar as máquinas com coisas pessoais.”
- Teve tanto tempo para fazer isso, não há razão para não estar aqui este equipamento. – E dirigindo-se ao funcionário. E já agora, também mandou limpar os dossiês ?
Não obteve resposta.
O caso foi rapidamente conhecido. Os jornais narraram o facto. Na Pastelaria Gomes, alguém comentava serenamente:
- Afinal, qual Prefeito do Palácio franco, sempre era verdade, que o autêntico presidente da
Câmara era o “administrativo e financeiro”.
Obs: qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência
Ribeiro Aires
Nota da Redacção
por Vilela Borges
Na noite da eleição,
na sede de campanha,
por volta das vinte e uma,
ao saber-se o resultado,
o "administrativo e financeiro",
que nunca fica sentado,
pegou pelo braço o ainda presidente
e conduziu-o à saída.
E empurrou pelas costas.
o candidato a presidente,
à mesma porta, p' ra partida.
E como lhes dando um presente:
_Vão p' ra casa repousar,
que estão muito cansados.
Deixem o caso comigo,
q' eu trato do funeral,
conheço bem Vila Real
e tem de se ser competente.
E virando-se pr' os demais:
_É preciso saber
e ser clarividente.
Fui, sou e serei o Presidente.
E logo telefona ao Rui:
_Meus sinceros parabéns!
Mereceu a vitória, sim Senhor!
E é bom mudar.
Aceite os préstimos
deste fiel servidor.
E saiba já,
que quem os vai receber
no primeiro dia de trabalho,
sou eu,
não é preciso lá,
nenhum vereador!
E quero-lhe anunciar
que vou suspender já,
a filiação no PSD,
para servir com toda a lealdade,
Vossemecê.
Obs 1: qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência.
Obs 2: Apesar dos esforços
de vários investigadores,
persiste a dúvida:
quem desviou afinal, os computadores?
Foi o administrativo e financeiro
ou foram mesmo os vereadores?
Apurado ao certo apenas está,
que a decisão foi pensada,
que chamaram os consultores.
Que opinou Elísio Amaral
"isso não está bem,
não é cordial".
E que sussurrou o Pires Cabral
" ao menos poupem a vereadora,
não se faz isso a uma senhora"
E que todos se viraram p' ro Madeira
"ela é a tua sucessora!..."
_Tinha de sobrar para mim!
Mas se a ideia não vem de Constantim!...
Com o Madeira
a culpa nunca morre solteira!
deixo tudo sim
e até o pessoal
E a senhora vereadora,
andou um dia e tal
a arrumar o gabinete
e a eliminar o "pessoal".
E que comentava à ajudante:
isto é que foi um presente!
P' ra que não fiquei só vereadora?
Para que quis ser vice-presidente?!